domingo, 5 de outubro de 2008

Qualidade do transporte coletivo urbano

Qualidade do transporte coletivo urbano

Um pesadelo brasileiro é observar o desprezo pela qualidade dos sistemas de transporte coletivo urbano. Vamos a extremos, tendo-se em algumas cidades o que existe de melhor em sistemas metroviários e, na outra ponta, ônibus mal cuidados, pessimamente dirigidos, operados da pior maneira possível. Os usuários do transporte coletivo ainda têm o pesadelo de precisar caminhar em calçadas esburacadas, mal feitas, perigosas. Atravessar ruas é um tremendo risco de vida em cidades onde o excesso de velocidade só é inibido em espaços com radares devidamente sinalizados, alertando os infratores de que ali a irresponsabilidade deles será punida.
Por diversas razões a degradação dos sistemas de transporte coletivo urbano é uma realidade, degradação em relação ao que poderia existir, pois a tecnologia avança possibilitando aprimoramentos contínuos. Talvez a principal fonte dessa desgraça resida na visão dos eleitos para os quais o fundamental é que o valor da tarifa seja o menor possível.
O “vale transporte” criou um custo adicional para todos aqueles que têm empregados. Os empregadores têm automóveis, não usam os nossos ônibus. Reduzindo-se as tarifas, diminui-se o custo representado por esse benefício ao trabalhador e pago pelo empregador. Ou seja, os usuários dos sistemas de transporte coletivo perdem mais do que recebem se nossos ônibus operarem no limite inferior, na visão de que as tarifas precisam ser tão pequenas quanto possível, ainda que deteriorando o sistema.
Outros tipos de privilégios afetam o custo das passagens, possibilitando a aplicação de tarifas que viabilizem bons sistemas. É extremamente importante, diante de todos os problemas de poluição, saturação de ruas, necessidade de atrair o usuário do transporte individual e otimização de investimentos urbanos que a opção “transporte coletivo” seja boa, justifique manter nas garagens os automóveis e, além disso, dê aos cidadãos comuns a segurança e conforto que precisam para chegarem aos seus destinos sem o desgaste de deslocamentos penosos, tortuosos, perigosos e insalubres.
Em Curitiba a opção pelo transporte individual se reflete na estabilização do número de usuários dos ônibus há muitos anos, apesar do crescimento da cidade. Grandes investimentos no sistema viário da cidade têm estimulado o curitibano a usar seus carros, estímulo reforçado pela insegurança, desconforto, freqüência ruim e tempos de deslocamento crescentes, pois as canaletas pararam no tempo e no espaço, desprezando os recursos mais modernos de ganho de eficiência.
A capital paranaense foi a primeira cidade latino americana a possuir um sistema de supervisão ótica do trânsito na área central. Motivações mesquinhas deram vida curta a esse sistema, que se instalou na cidade no início da década de setenta do século passado. Com recursos daquela espécie e outros haveria a possibilidade de operação real do sistema, o que se torna muito difícil quando não se tem recursos de monitoramento permanente dos coletivos e estações de embarque, transbordo e, obviamente, desembarque. Na França, em 1988, cerca de 30 cidades ou tinham ou instalavam sistemas dessa espécie.
No mundo mais racional o transporte coletivo urbano é subsidiado direta e indiretamente. O fundamental é que tenha qualidade suficiente para atrair o usuário do transporte individual. Procura-se evitar atitudes discricionárias, tendo-se na competição com o automóvel um indicador de qualidade importante.
Naturalmente a cidade precisa decidir o que pretende, mas também deve ser informada de forma completa e eficaz a respeito dos prós e contras de qualquer decisão. É comum em muitos países a decisão ser colocada em plebiscitos onde o contribuinte diz se quer ou não ver o dinheiro dos impostos que paga ser gasto nessa ou naquela área.
Um bom exemplo foi a polêmica na cidade Strasbourg, França, entre o VAL (http://fr.wikipedia.org/wiki/V%C3%A9hicule_automatique_l%C3%A9ger) e bonde. A decisão final foi deixada para os eleitores na seqüência de longos períodos de explicações e debates entre os defensores dessa ou daquela tecnologia. Os administradores da cidade tiveram a decência de colocar, exemplificando, prismas com as coordenadas de profissionais à disposição para explicar o que se pretendia naquele local (em cada local de estação prevista no projeto do VAL podia-se descobrir esses painéis de contato). Em Curitiba, graças ao apoio do Instituto de Engenharia, período do saudoso professor Tourinho, vivemos fases de grandes debates em torno dos projetos urbanos, que levaram a administração da cidade a manter modelos e rejeitar tecnologias que teriam trazido poucos benefícios aos curitibanos, acrescentando, contudo, custos elevados ao sistema.
De tudo o que vemos, contudo, podemos concluir que as cidades brasileiras estão ganhando engarrafamentos pelo abandono do transporte coletivo urbano. Deveríamos ter alternativas, soluções que agradassem a todos aqueles que precisam transitar pela cidade, inclusive aos contribuintes, os pagadores de impostos.
Micros ônibus, veículos com ar condicionado, layout mais confortável, mais segurança e capilaridade desviariam muita gente de seus automóveis, ainda mais diante dos custos de seguro, estacionamento, multas etc. Paralelamente os taxistas deveriam ter incentivos e oportunidades para redução de suas tarifas. O táxi é um recurso excepcional, de grande valor para as pessoas mais velhas, portadoras de deficiências, freqüentadores de bares e restaurantes etc.

Cascaes
05.10.2008

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