Tecnologia e transporte coletivo urbano
Um presente dos céus é ter a oportunidade de conhecer com detalhes os sistemas de transporte coletivo europeus. Na década de oitenta tivemos essa benção e durante três meses vimos como os franceses aplicam seus conhecimentos para resolver os problemas urbanos em torno dos seus ônibus, bondes e metrôs.
A maturidade política é, com certeza, a principal explicação para a qualidade das cidades européias. Não é a riqueza que adquiriram de diversas maneiras, ainda que várias vezes perdidas em guerras absurdas, que só taras antigas podem explicar.
Superando suas limitações souberam aproveitar a integração entre a iniciativa privada e o poder político, gerando paradigmas maravilhosos de gerência urbana. Melhor ainda, dentro de diretrizes de respeito ao cidadão, aplicaram o melhor de suas competências técnicas e ainda o fazem no desenvolvimento de sistemas de transporte coletivo urbano, metropolitano e interurbano. Somando-se à preocupação com o direito de ir e vir, estabeleceram regras de ocupação do solo, de preservação de espaços e valorização das cidades, que as tornam atração turística e, acima de tudo, lugares que acolhem seus habitantes com a dignidade necessária e coerente ao grau de evolução social que atingiram.
Graças a tudo o que formou a base cultural de alguns países europeus, neles podemos ver que os ônibus, pelo exemplo que nos interessa mais, se aprimoraram, tendo condições de transportar dignamente os cidadãos mais exigentes.
Assim vamos descobrir veículos com piso rebaixado, suspensão ajustável, telecomunicações, monitoramento, conforto, tudo para facilitar a entrada e saída de passageiros sem que sejam submetidos a riscos de acidentes como vimos acontecer com nossa saudosa mãe em Balneário de Camboriú, onde caiu de um ônibus cujo motorista simplesmente arrancou antes que ela entrasse ou saísse (não sabemos) completamente. As lesões que sofreu nos joelhos a incapacitaram para caminhadas, que lhe fizeram falta e reduziram sua vida de alguns anos além de a transformarem em dependente de cadeira de rodas. Talvez esse criminoso não saiba o mal que causou a uma senhora idosa, menos ainda os responsáveis pelo transporte coletivo daquela cidade.
Os ônibus podem ser seguros. Na década de oitenta mais de trinta cidades francesas implantavam ou já operavam sistemas de apoio ao gerenciamento do trânsito com recursos de operação “on line” dos seus ônibus. Os motoristas com tratamento digno, veículos feitos com extremo capricho, vias bem cuidadas, pontos de embarque protegidos, calçadas transitáveis. Em Curitiba o primeiro sistema de vigilância de trânsito da América Latina com câmeras e central de monitoramento (criação do arquiteto Marcos Prado) se desmanchava ao final dos anos setenta, transformava-se em sucata graças à incompetência dos seus responsáveis.
Em algumas cidades, Nancy, exemplificando, veículos bicombustíveis permitiam em 1988, que no centro das cidades, áreas de maior adensamento, os carros fossem acionados por motores elétricos enquanto trafegando fora utilizavam o óleo diesel, combustível ainda imbatível em termos de custo e eficiência.
Dentro dos carros europeus o motorista tem espaço seguro, privilegiado, pois ele é responsável pela segurança dos passageiros. Aliás, é importante descobrir como os sindicatos lá fazem um trabalho decente, capaz de assegurar a seus associados a dignidade de trabalho, coisa que não vemos por aqui.
Cobrador é coisa do passado, o espaço que ele ocuparia é usado para se levar mais passageiros. Sistemas eletrônicos de bilhetagem permitem agilidade e integração sem a utilização de terminais de integração, exceto onde, por conseqüência da natureza dos modais, isso é inevitável. Fiscalização rigorosa e punição exemplar contra os maus usuários do transporte coletivo compensam a ausência de catracas e outras formas de constrangimento, tão comuns em nossas terras subdesenvolvidas.
Enfim a tecnologia adotada na França, ilustrando mais uma vez com esse país, pelas cidades, comunas e outras unidades administrativas e políticas é alvo de discussão permanente, exceto em países com mais tradição autoritária.
Naqueles países onde a democracia é madura encontramos, em qualquer jornal ou veículo de comunicação, o questionamento permanente da qualidade e da segurança do sistema adotado na região; assim evoluem, aprimoram e, se erram, cometem equívocos partilhados por todos os cidadãos, acrescentando lições que contribuirão para o crescimento da cultura urbanística e de cidadania, tão necessárias e ausentes em nossas cidades.
Cascaes
05.10.2008
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