Transporte coletivo urbano
Serviços essenciais sujeitos a concessões não podem ser vistos como, simplesmente, atividades a serem exploradas por empresas privadas. O povo não deve ser ingênuo e acreditar que o empresário atuará a seu favor. A prioridade de qualquer ser humano, qualquer que seja a sua condição profissional ou pessoal, é o seu interesse individual. Quando muito estará fazendo alguma caridade esperando compensação em outro mundo. Evidentemente existem exceções e elas merecem nosso respeito e admiração, deve-se, contudo, sempre partir do princípio do egoísmo, “defeito” natural do ser humano e de qualquer outra espécie viva. É uma lei da Natureza, simplesmente.
Conveniências pessoais também pesam sobre funcionários públicos; muitos deles se esquecem de que são empregados pelo povo para atender suas necessidades coletivas. Lealdades pessoais significam mais para certos indivíduos do que o compromisso de servir à cidade, ao estado, à nação.
O dilema da estatização ou privatização é permanente, dependendo muito da qualidade do eleitor e de seus candidatos a expectativa de bons serviços, de melhores serviços a partir de empresas privadas, mistas ou autarquias.
Com essas considerações chegamos ao transporte coletivo urbano. Onde se é “explorado”, simplesmente, oferece, via de regra, serviços de péssima qualidade. Os sistemas de transporte coletivo urbano no Brasil são tradicionalmente tão ruins que a população já nem percebe que poderiam ser melhores, vide a Europa, onde encontramos exemplos fantásticos.
Por que não temos reações fortes à má qualidade dos serviços públicos (isso vale para todos eles)? Habituamo-nos a crises econômicas e períodos de penúria, que afetaram nossa sensibilidade e, no caso das cidades e seus sistemas ônibus, só aqueles impossibilitados de utilizar outros sistemas (individual, táxi, transporte coletivo de luxo etc) usam os coletivos comuns. Isso significa que, de modo geral, só as pessoas mais humildes “andam” de ônibus, gente que se dá por feliz de ter algum transporte, seja ele qual for.
A famosa competência da empresa privada acontece na oferta do mínimo possível de carros, trajetos mais rendosos, horários mais convenientes, veículos mais baratos, motoristas mal pagos, manutenção no limite da planilha etc. Um aspecto perverso em nossa “democracia” onde o poder econômico manda: essas concessionárias sabem, usam e abusam do poder econômico para eleger políticos que defendam seus interesses e, via de regra, encontram pouca atenção dos demais. Aliás, raramente veremos os eleitos utilizando o transporte coletivo urbano, eles só aparecem nos terminais em época de eleição...
Curitiba é uma exceção, apesar de suas falhas. A qualidade do sistema deve-se às canaletas, ao sistema integrado e principalmente ao modelo implantado na administração Requião, quando a URBS tornou-se concessionária e as empresas aceitaram ser permissionárias. Infelizmente o conceito de frota pública e operação privada, introduzido na reestruturação institucional do gerenciamento do transporte coletivo urbano de Curitiba em 1985, foi abandonado, tirando-se uma liberdade preciosa da URBS para formação de patrimônio e criação de frotas projetadas e fabricadas sob padrões de interesse público. O custo do sistema sob responsabilidade da URBS, que a partir daí, sob contratos, começou a pagar às transportadoras por quilômetro rodado permitiu um padrão de atendimento superior. Naquela época criou-se também a frota pública, lamentavelmente interrompida mais adiante. Com a frota pública a formação de capital seria em benefício do povo, que assim teria um custo menor a ser lançado na tarifa. Graças a ela foi possível a definição de padrões técnicos melhores (contrariamente ao que se pensa, não existiam padrões detalhados de layout, por exemplo). A URBS, assumindo a fiscalização, teve condições de cobrar qualidade e na preocupação de servir melhor criar diversos sub sistemas, que fazem o orgulho do curitibano. As empresas, naquela época, deixaram de ser concessionárias para se tornarem apenas permissionárias, uma relação mais frágil, e, portanto, sob maior dominação da URBS, então concessionária. Infelizmente legislação federal se impõe, atrapalhando decisões que poderiam ser tomadas pelo povo curitibano. Licita-se o serviço, provavelmente a ser entregue por algum grupo nacional, normalmente melhor apoiado por bancas de advogados etc.
Normalmente, em detrimento da qualidade o debate em torno do transporte coletivo se fixa nas tarifas. Tarifas maiores ou menores dependem de boa gerência, principalmente de maior atenção do Poder Concedente. Quanto os empresários deverão ganhar? Como? Sob que condições? Um relacionamento inteligente e honesto entre empresas e prefeitura permite a otimização de custos e aplicação de lógicas a favor do povo.
Vivemos uma época de idolatria pela iniciativa privada. Assim ganhamos a ALL, apagões, VASP, VARIG e custos crescentes. Se nossos governantes simplesmente optassem pelo combate à corrupção e tivessem mais cuidado com a nomeação de seus executivos, certamente a situação do Brasil não seria tão ruim quanto a existente agora, pois as estatais que precederam essa fase neo liberal teriam melhor conceito, como é o caso da Copel. Lamentavelmente a apropriação do dinheiro público transformou-se num câncer generalizado. A “esperteza” de nossos líderes contaminou empresas públicas e privadas, não é privilégio de ninguém, infelizmente.
A nação brasileira é nitidamente dividida entre os ricos e poderosos contra o povo mais humilde. Ter muito dinheiro ou ocupar um cargo maior no serviço público significa apoiar-se em privilégios incríveis, próprios de feudos e monarquias passadas. Implicitamente vivemos em subordinações abjetas que, de tão antigas, não alertam nosso povo para as humilhações a que está sujeito na assimetria incrível das lógicas de julgamento e tratamento a que está submetido.
O transporte coletivo é um excelente exemplo e laboratório de todas as teorias que se possa desenvolver nas relações sociais de qualquer comunidade. Em Curitiba conseguimos implementar um bom modelo de gerenciamento, que já foi melhor quando a frota pública existia..
Cascaes
05.10.2008
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