Frota Pública – uma belíssima experiência
O império do capital ofende pessoas e submete populações a sacrifícios no altar da avareza de pessoas frequentemente alheias a suas responsabilidades sociais. No Brasil temos cartéis monumentais que simplesmente se eternizam, comandando diretamente ou indiretamente o Poder Político nacional (Seria justo ver muitos de nossos parlamentares acionando via Justiça do Trabalho os seus patrões, quando alvo de escândalos a serviço dos seus patrões).
O povo brasileiro paga muitíssimo caro pela omissão e ignorância de forças que não são ocultas, mas extremamente zelosas de seus interesses.
Roberto Requião assumiu uma prefeitura (1985 a 1988) que não tinha acesso a qualquer espécie de crédito. O Brasil em plena crise econômica, inflação estratosférica, desemprego e dificuldades de toda tipo mergulhava em crise social aterradora. Coerente com seu discurso de campanha, entre outras ações, partiu para cima das concessionárias do transporte coletivo urbano de Curitiba. Muitos indícios mostravam precariedade em alguns setores, era preciso jogar duro para corrigir erros que se acumulavam na inércia dos direitos de capital e concessões duvidosas.
Após uma luta feroz e muitíssima pressão o Prefeito conseguiu a concordância dos empresários para que se modificasse a ordem jurídica e técnica do sistema em Curitiba.
Assim as empresas deixaram de ser concessionárias e passaram à condição de permissionárias, ficando a URBS como a única concessionária do transporte coletivo urbano em Curitiba.
A Urbanizadora de Curitiba S.A. teve liberdade de montar a melhor equipe possível entre os quadros da PMC, criando um time de primeiríssima linha.
Foram criados padrões, normas, regulamento etc. num esforço negociado entre a PMC e o sindicato dos empresários e dos motoristas para regramento das relações entre empresários e o Poder Público.
Entre as modificações introduzidas criou-se a figura da Frota Pública, a ser formada com uma fração fixa da tarifa e adquirida por concorrências públicas sob critérios técnicos severos. Assim os ônibus articulados foram reintroduzidos em Curitiba, cautelosamente, pois esses carros tinham sido abandonados pelas montadoras. Scania e Volvo (chassis) disputaram passo a passo um cliente que era uma grife, ainda que muito ilusória antes desse momento.
Os editais deram valores, números e lógicas de decisão discutidas com os fabricantes de forma a não se ter dúvidas da validade dos algoritmos.
O encarroçamento foi uma etapa de projeto extremamente interessante, pois foram definidos materiais, layouts, cores, equipamentos de apoio, bancos etc. e desenhos justos e adequados aos motoristas, cobradores, passageiros, ao desempenho técnico (estabelecendo-se, por exemplo, peso máximo por eixo) sempre com a preocupação de se criar veículos necessários e suficientes, dadas as condições difíceis que passávamos e o estado da arte da indústria no Brasil (era proibido importar).
Os resultados das disputas mostraram a validade da condução dos processos, viabilizando a compra de 88 ônibus articulados em dois anos. Note-se que na planilha do cálculo das tarifas a propriedade dos ônibus desapareceria, mais ainda quando a PMC recuperasse poder de investir com recursos fiscais, usando os financiamentos privilegiados existentes, aproveitando descontos que as empresas normalmente se apropriam sem muita transparência para o povo pagador de promessas.
Esses ônibus foram entregues aos empresários para operação sob contrato de guarda e uso adequados, sempre sujeitos a fiscalização permanente, que se pretendia aprimorar com recursos de informática.
Se questões técnicas justificaram o esforço de reestruturação institucional do TC em Curitiba, valeu mais a idéia de se separar a propriedade de veículos da capacidade gerencial dos empresários. A formação da Frota Pública abriria, com o tempo, uma tremenda liberdade de opção de escolha de empresas administradoras de pessoal e carros a serviço do povo de Curitiba. Com o tempo a propriedade de ônibus deixaria de ser fator decisivo na escolha de permissionárias, mais ainda porque contratos de permissão têm caráter precário (por definição jurídica), não dando a seus titulares a intocabilidade dos contratos de concessão.
Infelizmente, sem muito alarde a relação institucional mudou. Poderíamos agora ter controle sobre o sistema; perdemos sem que até hoje entendamos o porquê.
Cascaes
17.12.2009
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