segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ensaios, análises, diagnósticos, conclusões e recomendações








O desastre na Praça Tiradentes (ônibus ligeirinho, 10 de junho de 2010) mostra uma situação que precisa ser entendida com profundidade, necessária quando se toma decisões complexas e de alto risco.



Curitiba optou por utilizar ônibus, que denominou “ligeirinhos”, ou seja, implicitamente usa veículos que, lotados, pesando muito mais do que um automóvel, mais ainda que um pedestre, em trânsito misto, operando em velocidade maior (a energia é diretamente proporcional ao quadrado da velocidade) pode causar acidentes gravíssimos. Deveria ser dirigido com cautela, prudência, bem mantido e operado de forma segura. O edital em fase final de procedimentos tem, entre suas cláusulas, a elevação da velocidade média do sistema... Se a idéia era reduzir custos, vimos, ao contrário, a obrigação das empresas disporem, por exemplo, de ônibus para uso “social” gratuito, pode?



A capital paranaense torna-se mais e mais motorizada e suas ruas não se transformam com a mesma velocidade, algo necessário a tantos carros se houvesse espaço para todos. Sem metrô e tendo quase esgotado sua capacidade de fazer mais circuitos dedicados aos ônibus, enfrenta a opção de reduzir margens de segurança (e prudência) para conter tarifas (que dependem diretamente da velocidade média dos veículos) sem criar subsídios, ao contrário, agregando custos (concorrência para outorga de concessões, onerosa para os usuários e concorrentes sob diversos aspectos).



Qual é o grau de consciência de nossas autoridades e lideranças civis? O que pretendem? Que prioridades governam suas decisões? Sabem o que estão fazendo?



O acidente mostrou, nas reportagens publicadas, a necessidade de se esclarecer a importância da multidisciplinaridade de um tema tão importante quanto o transporte coletivo urbano. Se quisermos um bom padrão de diagnósticos e propostas sustentadas por indivíduos preparados especificamente devemos lembrar que isso significará agregar diversas análises, diferentes, feitas por especialistas de formações diversas e de alto nível. Atenção: impõem-se análises cautelosas, bem feitas, com ferramentas de última geração diante das dimensões curitibanas.



Felizmente em Curitiba temos recursos humanos excelentes. A cidade virou pólo automobilístico e suas universidades, a PMC e COMEC somam décadas de experiência.



A VOLVO exporta chassis de altíssimo nível, montados em Curitiba, o que fez para a cidade de Santiago do Chile, recentemente, para onde foram mais de mil carros[i] com piso rebaixado, articulados, motores com características excepcionais, controle de aceleração e desaceleração, freios especiais, suspensão inteligente, computador de bordo, caixa automática, ajoelhamento etc. Algumas encarroçadoras nacionais completaram o trabalho que nossos vereadores (Legislatura anterior) conheceram, pois lá estiveram visitando o sistema há dois ou três anos. Note-se que a capital do Chile fez investimentos colossais em transporte coletivo urbano nessa última década.



O LACTEC (instalado no Centro Politécnico da Universidade Federal e no CIETEP) possui um laboratório dedicado à indústria automobilística, que merece ser conhecido pela população de Curitiba e pode fazer muito mais se tiver o apoio de nossas autoridades e souber aproveitar recursos dos Fundos Setoriais da FINEP, por exemplo, para pesquisa e desenvolvimento de produtos e soluções. Note-se que esse laboratório abriga diversos ambientes de P&D, possibilitando uma sinergia rara.



Se quisermos falar de vivência prática a COPEL (uma empresa sob controle estatal), entre outras empresas, acumula décadas de experiência de manutenção de instalações complexas, de alto risco, excepcionalmente exigentes. Note-se que a implementação plena do projeto BEL (Banda Extra Larga) viabilizará sistemas de supervisão com padrão excepcional de qualidade e confiabilidade.



Isso tudo significa a possibilidade de trabalhos especiais, desde que nossas autoridades se harmonizem e aproveitem ao máximo o que nosso estado oferece.



Ou seja, além dos tarifeiros, economistas, administradores, urbanistas, arquitetos, engenheiros civis, de informática, eletrônica etc. em Curitiba encontramos uma plêiade de especialistas em mecânica, matemáticos, técnicos em ensaios, pesquisadores e doutores que poderão, se acionados de forma correta, contribuir para um aprimoramento gradativo do sistema existente.



Mais ainda, com a ajuda de sociólogos, psicólogos, médicos e outros profissionais da área da saúde há como prevenir problemas relativos aos recursos humanos da frota operante, algo extremamente importante diante do que vimos e ouvimos gratuitamente, simplesmente usando os ônibus e prestando atenção à conversa de motoristas e cobradores.



A dimensão do transporte coletivo urbano de Curitiba justifica esse cuidado.



Curitiba é modelo para o resto do Brasil, isso também é perigoso.



Os maus exemplos podem ser entendidos como boas soluções. A cidade já teve sua fase áurea, o que explica a fama. Além das canaletas e tudo o que podemos ver hoje, fora aspectos técnicos e gerenciais menos visíveis, foi, exemplificando sua fase dourada, a primeira cidade do Hemisfério Sul a ter um sistema ótico (comandado à distância) de supervisão do trânsito (projeto Marcos Prado, sistema abandonado inexplicavelmente após enormes investimentos e operação durante poucos anos).



Pior ainda quando sabemos que interesses econômicos colossais pairam sobre a exploração (no sentido lato desta palavra) dos transportes coletivos urbanos, interesses que muitas vezes extravasam a legalidade na simbiose deletéria entre a política e negócios.



Ficamos em dúvida quanto aos critérios gerenciais existentes observando o que está acontecendo.



Diante de tudo isso, devemos e podemos exigir de nossas autoridades um trabalho sério, responsável, competente até por que o mundo está mudando em todos os sentidos cobrando mais cuidado com as cidades e, graças à internet e à liberdade de comunicação, poderemos sustentar indefinidamente campanhas de alerta e vigilância dos serviços essenciais e suas concessionárias...



Talvez tenhamos menos do que pretendemos, mas se formos perseverantes alguma coisa poderemos corrigir.


Cascaes
14.6.2010
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[i] http://otransportecoletivourbano.blogspot.com/2009/02/oficio-ao-ministerio-publico-em-25-de.html

Um comentário:

Luis Eduardo Knesebeck disse...

Cascaes.

Muito boa sua análise.

Gostaria de complementar duas menções suas: as canaletas para os ônibus expressos e a mudança que estamos vivenciando, sob o aspecto da segurança dos pedestres.

Como já comentei anteriormente, utilizo sempre que possível uma linha de ônibus expresso para trabalhar. Olhando para as janelas, vejo a precariedade da segurança que existe em alguns pontos das canaletas. São pesadas composições (sim, é esta a palavra!) trafegando em significativa velocidade por ruas com alto fluxo de pedestres. Quando da implantação do sistema, Curitiba não era tão grande como hoje e não víamos tantos pedestres. Hoje eles, os pedestres, contam somente com a sua consciência e habilidade para cruzar estas canaletas.

(No centro da cidade e nas estações mais importantes dos bairros não vejo maior preocupação com o bloqueio para evitar a transposição fora das faixas. Veja, por exemplo, as estações existentes na Av. Sete de Setembro...)

Este acidente que ocorreu deve nos alertar que a introdução de tecnologia para melhoria da velocidade média deve ser sempre acompanhada de educação no trânsito e medidas adicionais de segurança ao pedestre. Sem esta reflexão, corremos o risco de vermos verdadeiras máquinas de matar circulando na nossa cidade.

Abraço,

Luis Eduardo Knesebeck