sexta-feira, 2 de julho de 2010

Comentários sobre as dívidas da URBS

Em 2 de julho de 2010 15:37, JCCascaes escreveu:

Miranda

Que legal ver sua resposta.
Por favor, leia o que escreverei, tomando certos cuidados.
Você me conhece bem e acompanhou meu trabalho ao longo dos anos.
Muita coisa a gente só pode dizer em uma mesa de bar entre amigos...

Por item, adiante, pois, pois!

Em tempo, um grande abraço e aguardando convocação para o vinho.

Cascaes
2.7.2010

----- Original Message -----
From: Antonio Miranda
To: fomus@googlegroups.com
Sent: Friday, July 02, 2010 2:31 PM
Subject: Re: Fw: Dívidas e tarifas: Responsabilidades e valores: Acordos da Urbs

Prezado Cascaes,



Em matéria publicada por você no FOMUS, a propósito da Licitação do Serviço de Transporte Coletivo de Curitiba, você faz a seguinte pergunta ao grupo: Qual é a análise dos amigos?



Embora, como sempre, muito ocupado, tenho o grave defeito de não fugir às provocações. Por isto mesmo, ainda que não seja especialista nas questões jurídicas e mesmo do controle tarifário, por ter acompanhado colegas de GEIPOT na produção das cartilhas de cálculo tarifário, vou arriscar dizer algo ou tecer alguns comentários.



Os comentários a seguir apresentados representam muito mais reflexões sobre as questões levantadas sobre o processo licitatório, exposto na matéria da Gazeta do Povo, do que defesa ou denúncia sobre o andamento na condução da licitação, procedimentos estes que deixo para análise de auditores e ao pessoal do Ministério Público. Antes de adentrar a seara dos assuntos propriamente ditos, peço desculpas pelas incorreções eventuais desta reflexão (ela que representa um exercício de lógica) que passo a apresentar. Isto porque pode conter erros técnicos, até mesmo grosseiros. E repito, porque não sou especialista nas matérias em foco.

O que está colocado:

1) Dívida de frota



As empresas compram os ônibus usados exclusivamente no transporte coletivo de Curitiba, como biarticulados e ligeirinhos. A URBS paga todos os meses por esse investimento, até o fim da vida útil dos veículos. Depois, elas ficam para a própria URBS. Como existem ônibus com pouco tempo de uso, o investimento das empresas ainda foi não totalmente pago.


As cartilhas do GEIPOT e as que sucederam elas incluem no cálculo tarifário a remuneração de 90% do custo de cada veículo da frota. Ou seja, depois da vida útil do veículo o mesmo já foi devidamente depreciado em 90% do seu valor mediante pagamento realizado pelos usuários. Os 10% restantes não remunerados são deixados como valor residual e os empresários podem muito bem recuperar o valor através da venda para terceiros, em geral para empresas de prefeituras do interior do Brasil, que aceitam este tipo de veículo por admitirem vida útil mais longa dos veículos, desde que eles sofram alguma reforma.



Sim, mas no caso dos ônibus biarticulados e ligeirinhos eles são ônibus fora de aproveitamento em qualquer outra cidade fora de Curitiba. É verdade, porém não sei e não sabemos se a Prefeitura por conta desta aparente desvantagem concedeu ao longo do tempo um prazo maior para sua permanência no sistema. E neste caso, se a vida útil tiver sido remunerada por 12 anos, por exemplo, bastaria um prazo adicional de circulação dos veículos, ou seja, 15 meses, para ocorrer a depreciação integral do veículo. Parece simples, mas não é. De quem então seria o veículo caso houvesse a depreciação integral? Da URBS? Dos usuários? Da empresa é que não seria, porque a população já comprou o veículo via tarifa.



Sim, mas tem o caso da troca de veículos antes de expirar a vida útil do mesmo. Sim, digo eu, é verdade. Há uma preocupação empresarial e mesmo das cidades brasileiras em passar adiante veículos com quatro, cinco e seis anos de uso, reduzindo a idade média da frota. Isto como forma de diminuir os custos de manutenção e despesas com o pessoal das oficinas. É prática corrente em nosso País, numa tentativa dos empresários do setor em obter ganhos adicionais. Mas isto fica prejudicado em termos dos ônibus biarticulados e dos ligeirinhos, que não têm comprador para se desfazer da frota mais cedo, obrigando-os a fazerem uso dos veículos até o final da sua vida útil, de acordo com as exigências da concessionária.



Então, qual o mal em se ter ônibus “velho” se eles atendem ao exigível em contrato? Por acaso a vida útil definida pelo contratante em acordo com o fabricante do veículo não é ou era de doze ou quinze anos, por exemplo? Por que então esta prática de se desfazer do equipamento antes do prazo? Seria por necessidade da re-inclusão de novos patamares no valor da depreciação de veículos mais novos e mais caros no interior da tarifa?



Então, se não houve nenhuma exigência formal da parte do poder público para antecipação da renovação da frota, não há o que cobrar por uma remuneração que certamente incluiu a depreciação da frota em toda a integridade da vida útil dos veículos que a compõem. Mas mesmo que tal exigência tenha partido do governante de momento, cabe a ele, e tão somente a ele, responder pela alteração contratual, como agente público mandatário de uma empresa, mesmo sendo ela pública, não devendo os ônus da alteração contratual sem respaldo legal recair sobre a municipalidade e, em última instância, sobre os usuários do sistema e a população em geral.






Como disse: o valor residual, um número contábil, que deixa nas mãos dos empresários os ônibus em final de vida contábil, não exatamente técnica, pois, sendo bem mantidos e operados, ainda terão a possibilidade de andar muito.



Todas as empresas eram permissionárias, com liberdade de continuar ou sair do sistema. Se permaneciam e aceitavam as determinações da URBS era por conta e risco delas.



Aliás, no modelo antigo a PMC poderia contratar mais empresas, dezenas se quisesse. Graças à tecnologia já não muito nova de monitoramento dos ônibus, esse não é um problema sem solução razoável, mais ainda em Curitiba, onde, usando até recursos da COPEL (unidades de controle remoto instaladas em postes e conectadas via fibra ótica ou por rádio) seria fácil criar e fazer funcionar um sistema de vigilância e operação “on line”.



Quanto aos ônibus biarticulados e ligeirinhos sempre haverá empresas em condições de fazerem as reformas que quiserem, aproveitando o que compensar os custos.



O que acontece atualmente é que manutenção tende a ser mais cara e a troca por veículos novos (com tecnologia atualizada) com sucateamento mais e mais conveniente, o que precisaria ser analisado em termos de planilha e remuneração, talvez modificando prazos.



Note-se que sempre existem detalhes que merecem correção, eventualmente justificando mudanças drásticas.


2) Dívida de vales falsos




Em 2003, o pagamento às empresas de ônibus foi suspenso durante cerca de 40 dias por causa do uso de vales-transporte falsos. A juíza Vanessa de Souza Camargo, da 4ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, reconheceu a dívida de R$ 31,6 milhões (sem contar juros e correção monetária). A URBS recorreu.





A quem cabia a fiscalização pelo uso devido ou indevido do vale transporte através das fichas metálicas? Em primeiro lugar imagino que às operadoras. Em segundo lugar a URBS, que em constatando o problema deveria sim interromper a derrama. E foi o que fez e assim, pouco se tem a discutir neste caso. Querer atribuir a culpa exclusivamente ao setor público é fazer da municipalidade uma grande vaca premiada capaz de doar leite e mais leite a todo reclamante de uma situação de perda.


A meu ver as responsabilidades devem ser solidárias. Há um prejuízo ou houve de fato, mas ele tem de ser da responsabilidade dos dois: ao poder público e às operadoras. Não tem qualquer sentido querer atribuir culpabilidade somente à municipalidade porque ela não fiscalizou. Por acaso as empresas não possuem igualmente fiscais para controlar suas operações no campo? Por acaso existe ou existiu cláusula contratual que as isentava do controle sobre o uso indevido dos vales?


O fato é que houve ao longo do tempo um desvio enorme do uso do vale transporte. Na sua formulação inicial, surgida no interior do GEIPOT (cujo pai do projeto foi o ex-Senador Afonso Camargo, mas cuja mãe, meses antes, foi uma colega de empresa pública em Brasília), constituía crime a sua comercialização fora dos agentes públicos. E o que vemos hoje, grassando em quase todas as cidades do País? À porta dos terminais inúmeros cambistas vendendo vales transportes diante da complacência do poder público e das autoridades coercitivas, no caso a polícia e o poder judiciário.


Mas como isto ocorre? O fato é que a lei permite que trabalhadores com direito aos vales comercializem os mesmos. Como nunca houve vinculação do nome dos beneficiários à distribuição dos vales, sua negociação passou a correr livre. Ou seja, os indivíduos que o recebem repassam aos cambistas com 70% a 80% do valor da tarifa. Assim, o cambista lucra 10% ou 20% revendendo o vale por valor inferior ao valor de face do bilhete tarifário.


Assim, ao mudar o sistema de moedas para cartão magnético o sistema viu diminuído consideravelmente a fraude no sistema. As empresas operadoras ao invés de cobrar a conta a URBS deveriam sim agradecer pela paralisação da derrama desta e de outras formas de fraude. Cobrar por aquele período lá no passado parece-me um casuísmo e um artifício para ter vantagem no processo licitatório. Um ponto positivo para a URBS, e um negativo para a juíza, com todo o respeito que o desconhecimento de suas outras atitudes de mim merecem.






A falsificação era tão grosseira que, como vimos em reportagens de TV, simplesmente por separação manual era possível isolar as falsas das verdadeiras. Por quê demoraram tanto para “descobrir” a falsificação?



O prejuízo da falsificação era a diferença entre o preço de uma ficha nova e uma passagem, daí para a frente a ficha entrava no sistema valendo como qualquer outra. Quantas fichas eram falsas? Como chegaram a esse valor astronômico?



3) Atrasos de pagamento




A URBS paga as empresas no 11º dia seguinte à prestação do serviço. Por falta de recursos a Urbs atrasou pagamentos, em alguns casos em até 20 dias. As empresas alegaram que operaram no prejuízo.




Qualquer fornecedor ou prestador de serviço público sabe estar sujeito ao recebimento com atraso diante de dificuldades eventuais do caixa municipal ou das empresas públicas. Sem que isto justifique o não pagamento às operadoras, cabe realizar uma auditagem fiscal para saber qual a correção a ser procedida sobre valores atrasados previstas em contrato e mesmo os valores da inflação no mês e o percentual fracionário a ser aplicado aos valores não repassados.



Não se pode acreditar que atrasos de apenas vinte dias, mesmo tendo eles perdurado por meses consigam atingir um montante tal que implique em deságio significativo capaz de abater o valor a ser pago no valor de outorga a ser pago pela empresa interessada em continuar prestando serviços na operação dos transportes coletivos urbanos em Curitiba.






Empresário não sobrevive fazendo doações. Qualquer prejuízo colocado nas contas dos contratos será cobrado do povo de uma forma ou de outra. Não acredito em Papai Noel. Como isso era e é possível? Trafegando com excesso de passageiros, diminuindo o número de viagens etc. com a “distração” da fiscalização e/ou ainda forçando contas em cálculos tarifários.



Na minha opinião o empresário tem o direito de cobrar custos de atrasos, desde que justos.



4) Indenização de pessoal




As empresas cobram da URBS o pagamento das indenizações que terão de pagar a trabalhadores que serão demitidos quando o atual contrato de permissão for encerrado.





Esta é, entre todas as reclamações apresentadas pelas empresas prestadores do serviço, a mais estranha. O que é isto? Por acaso o serviço não se regia por um contrato, que foi sendo prorrogado “ad nauseam”? Por acaso o setor público tronou-se empregador solidário dessas empresas privadas? Com a palavra os juristas.



Mesmo que tenha havido alguma cláusula contratual concedendo garantias a esta situação ela não encontra respaldo, que eu saiba, na jurisprudência adotada no Brasil.






Essa é de doer, apesar dos riscos que os próprios trabalhadores poderão ter. Competiria ao Governo encontrar uma solução decente em negociações com os sindicatos.



Não é, na minha opinião, justo garantir recursos para as indenizações trabalhistas, mas proteger os trabalhadores, tanto quanto possível, em novos contratos.



5) Mudança de remuneração




Em 2005, o então prefeito Beto Richa reduziu as tarifas técnicas de remuneração das empresas. Ele alegou que as empresas recebiam mais do que gastavam em alguns serviços de manutenção. Isso possibilitou à URBS manter a passagem em R$ 1,90 por cinco anos. As empresas alegam que foram prejudicadas e cobraram as diferenças na Justiça. A 4ª Vara da Fazenda Pública reconheceu a dívida, mas não estabeleceu o valor. A estimativa é que o valor chegue a R$ 300 milhões. A URBS recorreu da decisão.





Este item é, sem dúvida, o mais polêmico. Mas mesmo este pode ter outra solução que não traduzido por redução em valor de outorga. Por exemplo, no caso das empresas vencedoras serem as mesmas poderia a URBS realizar conta compensatória ao longo do tempo, na tentativa de se buscar ajuste econômico-financeiro entre o devido no passado e os valores a receber por elas no futuro. Seja isto através de valor tarifário compensado a mais, ou mesmo por redução da taxa transporte cobrada pela URBS para administrar o sistema. E neste caso tudo deveria ser realizado através de percentuais de abatimentos, jamais envolvendo recursos financeiros.






Se o Poder Concedente, a PMC, controladora da URBS determinou unilateralmente essa redução de tarifas, ficou caracterizado a intenção de subsidiar as passagens. A dívida em última instância é da PMC. Os valores podem, obviamente, serem discutidos tecnicamente e judicialmente. Se a PMC ganhar fica ainda a pergunta, e antes? Como as empresas operavam? Ganhavam demais?






Desculpe-me pela extensão das observações, Caro Cascaes, mas você provocou e me tornei prolixo na abordagem desses que são assuntos tão importantes à vida pública da nossa cidade de moradia e de adoção.






Grande Abraço.



Antonio Miranda



Estimado Cascaes.

Oportunissimas as perguntas aos participantes do FoMUS, sobre as quais, o Mirandafez um comentário uma a uma de maneira irreparável.
Parabéns aos dois. A voce por colocar na pauta e para tomar conhecimento da análise de cada um e ao Miranda pela consistência em todas as afirmaçoes.

abrazos,
rg

2 comentários:

Luis Eduardo Knesebeck disse...

Cascaes.

Li hoje materia na Gazeta do Povo que comenta a inclusao de passivos trabalhistas 'virtuais' na negociacao que a URBS executa com as permissionarias. Absurdo!

As empresas foram constituidas e aceitaram participar do negocio. Por isto, na minha opiniao devem aceitar os riscos do término da permissao. A questao que fica pendente é uma eventual demissao dos seus trabalhadores ser atribuida a este evento. Nao tenho detalhes do edital da licitacao que esta ocorrendo, mas penso que deve haver uma ressalva que obrigue os vencedores a assumirem os recursos humanos (peco desculpas pelo uso desta expressao para referir-me aos empregados!) e, se nao houver, ainda deve haver tempo para incluir esta questao.

Caso ocorra esta demissao, eu culparia EXCLUSIVAMENTE A URBS pelos efeitos sociais provocados.

Lembro, por oportuno, que esta importante consequencia deve ser profundamente analisada e discutida na questao das concessoes do sistema elétrico brasileiro!!

Abraco,

Luis Eduardo

Ghidini disse...

Estimado Cascaes.

Oportunissimas as perguntas aos participantes do FoMUS, sobre as quais, o Mirandafez um comentário uma a uma de maneira irreparável.

Parabéns aos dois. A voce por colocar na pauta e para tomar conhecimento da análise de cada um e ao Miranda pela consistência em todas as afirmaçoes.

abrazos,

rg