O transporte coletivo urbano – um desafio de todos os
cidadãos
Há décadas a proposta de reverter a poluição e a necessidade
de racionalização das atividades humanas em geral dominam manchetes e criam
ONGs de toda espécie. Temas que exigiriam conhecimentos técnicos e científicos
de alto nível são conduzidos de forma amadora, pouco eficaz, principalmente nos
países mais atrasados.
Ajustes ideológicos e o retorno à escravidão consentida
(longe dos olhos) também apareceram com a globalização. Isso tudo, apesar de
seus aspectos terríveis, abalou cartéis e corporações, exigindo de todos nós
uma análise crítica de padrões, produtos e serviços.
Ressalvas históricas são essenciais à compreensão do cenário
atual, precedendo qualquer discussão técnica. O Brasil parou (em muitos
sentidos) durante décadas para se refazer da tremenda crise econômica que o
levou a uma inflação gigantesca. Os tempos de doença econômica e financeira se
somaram ao da cura (Plano Real) com seus ajustes dolorosos.
Com a redemocratização ganhamos uma nova Constituição
Federal, distribuindo pessimamente responsabilidades e direitos, ou seja,
conseguimos acertar os ponteiros contábeis do Brasil, mas insistimos no
centralismo federal de impostos, taxas, encargos, carimbos e burocracia que deixaram
as cidades brasileiras em situação de desespero, principalmente onde as
questões sociais cresceram desmesuradamente por efeito da migração do campo
para os centros urbanos mais atraentes.
Os municípios, com responsabilidades enormes, ficaram com a
menor fatia do bolo fiscal e a fobia legiferante de nosso povo criou um cenário
de custos elevados, sem atingir a normalidade moral que parecia lastreá-la. Uma
racionalização institucional é imperativa se os brasileiros quiserem um estado
realmente moderno, justo e sensato.
Alguns indicadores da irracionalidade podem ser levantados e
analisados tais como a violência, a poluição, crianças abandonadas, qualidade e
amplitude do ensino fundamental e básico etc. mostrando a vida de cidades longe
das praias e das delícias do clima tropical em balneários chiques.
O resultado disso tudo é a degradação da vida urbana e
opções de existência de cidadãos que se protegem como podem, vivendo entre
grades, defendidos quando podem por animais ferozes, guardas, policiamento
ostensivo, transitando rapidamente entre ambientes fechados e protegidos. O pedestre se transformou em pessoa suspeita
que, se possível, é mantida longe ou assustada com latidos de cães, arbustos
cheios de espinhos, calçadas irregulares, canteiros etc.. Andar pelas cidades é
uma aventura de atletas e lutadores bem preparados.
Curitiba é uma cidade que pode demonstrar perfeitamente os
efeitos de decisões estratégicas e processos tipicamente brasileiros, ainda
que, se comparada com inúmeros centros urbanos seja uma excelente cidade. Essa
distinção aumenta sua responsabilidade, pois é considerada modelo de urbanismo.
A reportagem (Sistema de ônibus curitibano perdeu 14 milhões de
usuários em 4 anos, 2012) trata de um assunto que foi a marca de
honra da capital paranaense, mas que perdeu charme ao longo desses anos em que
as tarifas dominaram discussões, sem que as alternativas e os objetivos
técnicos e sociais fossem discutidos com profundidade, principalmente por
aqueles que poderiam e deveriam mobilizar a sociedade local para essa questão.
O sistema perdeu atratividade como demonstra o infográfico
da reportagem dos jornalistas Diego Antonelli e Gisele Barão (DIEGO ANTONELLI, 2012) . Isso tem razões de
sobra para acontecer em Curitiba.
Não é fácil optar pelo transporte coletivo quando chegar (ou
voltar) e permanecer num ponto de ônibus são situações que significam exposição
a acidentes, agressões (inclusive de cães bravios), assaltos, quedas, tropeços,
atropelamentos, chuva, frio, etc. e quando os automóveis são cada vez melhores,
mais baratos, confortáveis e seguros, existindo para seus usuários uma quantidade
enorme de estacionamentos (alguns deles impermeabilizando áreas enormes de solo
(agravando o risco de enxurradas e enchentes locais)).
A opção pelo automóvel fica flagrante quando percebemos que
o calçadão da Rua das Flores parou por aí. A cidade deixou de criar ruas para
pedestres até em circuitos óbvios, como a ligação entre os grandes terminais e
praças do centro da cidade e em alguns bairros (Santa Felicidade, por exemplo).
Usar o transporte coletivo urbano, mais ainda com a obrigação de motoristas de
cumprirem tabelas quase impossíveis, tornou-se um caso de ousadia para quem tem
opções...
Estamos vendo sinais positivos, contudo.
As calçadas estão mudando [ (Cidade do Pedestre) , (Cidadania de Pé no Chão) ] ufa! As leis,
decretos e normas técnicas a favor das pessoas com deficiência (Cascaes, Direitos das Pessoas com Deficiência) fortalecem a
qualidade da vida de todos e Curitiba tem uma (Secretaria
Especial dos Direitos daPessoa com Deficiência) que mostra
resultados nas mudanças que a PMC promove. Ótimo, parabéns ao Secretário Irajá
de Brito Vaz.
A reportagem citada (DIEGO ANTONELLI, 2012) traz boas notícias
da URBS, que não resgatam, contudo, as decisões técnicas do edital de outorga
de concessões para o transporte coletivo, momento em que desprezaram conquistas
importantíssimas e outras abandonadas, como, por exemplo, a criação da frota
pública (uma maneira inteligente de subsidiar o sistema), o pagamento por
quilômetro rodado, a eliminação de áreas físicas de concessão, licitar
permissões e não concessões, a multiplicação de permissionárias etc. Com a
assinatura dos contratos de concessão para exploração do transporte coletivo
urbano de Curitiba perdemos a oportunidade de aprofundar a análise dos aspectos
positivos da desregulamentação [(DEREGULATING URBAN TRANSPORTATION) , (Deregulation
of local bus services in Great Britain: an introductory review) ] além de outras formas
de contratação de serviços.
Entre as muitas notícias contidas na reportagem citada e
base deste artigo a mais importante, contudo, é a operação efetiva da frota: “Araújo ainda destaca a Central de Controle
Operacional (CCO), que começou a funcionar no mês passado e visa a monitorar o
trânsito. Em casos de congestionamento e acidentes, por exemplo, os motoristas
serão avisados em tempo real, por painéis, sobre as condições do tráfego. “Até
o próximo ano, devemos ter todas as informações sobre rotas disponíveis para o
usuário”.” Os sistemas de monitoramento e controle ganharam potencial
ilimitado com a redução de custos e aumento substancial do potencial
tecnológico de sensores, transmissão de sinais, digitalização, processamento de
dados, eletrônica embarcada e muito mais que só bons engenheiros entendem e
podem fazer.
Precisamos, contudo, pensar em mais recursos para as
cidades, dinheiro dedicado ao aprimoramento da vida urbana. Em relação ao
transporte coletivo vale um estudo minucioso da lógica francesa, onde a decisão
sobre a implantação de sistemas é da população das comunas, que se associam
como julgarem melhor em função de discussões intensas e responsáveis,
culminando com a opção por uma taxa fiscal [ (Versement
transport) ,
(Réglementation versement transport, 2008) ] e participação da
República Francesa, sempre atenta aos interesses industriais da nação.
E as pesquisas?
O ponto de partida de decisão precisa ser conhecer a vontade
e mobilidade do povo. Temos pesquisas de origem e destino? Sabemos por que
(dados e fatos) o povo curitibano foge do transporte coletivo urbano exceto em
horários mais seguros e tranquilos? Aqui existe até um (Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) que deveria dar
essas respostas anualmente, se possível, pois a cidade é dinâmica e uma nova
grande indústria, shopping, prédio ou universidade pode alterar
substancialmente o trânsito nessa ou naquela região da cidade. Não praticamos
estudos de impacto ambiental urbano, logo dependemos muito do Governo Municipal
para avaliações que deveriam preceder certas mudanças na cidade.
Táxis?
Se existe um fenômeno em Curitiba é o desaparecimento dos
táxis em horários que não lhes convêm (taxistas). Lamentavelmente mais uma vez
a PMC decide de forma equivocada ao transformar em concessão eterna (Licença de táxis e inconstitucionalidades, 2012) o direito de
explorar esse serviço essencial, que pode e deve ser considerado no conjunto
“transporte coletivo”, pois se não levam por viagem dezenas a centenas de
pessoas, multiplicam a capacidade do transporte individual em viagens
sucessivas sem a ocupação de espaços urbanos de forma agressiva, como é o caso
do transporte individual (garagem/estacionamentos urbanos). Mais ainda, a
exemplo de cidades mais desenvolvidas poderia existir um padrão Curitiba
(lembrando Londres) para os veículos, criando mais segurança e eficácia para
motoristas e passageiros. Centrais de teletáxi? Polícia Militar e URBS deveriam
criar uma central em parceria, unindo segurança e bom atendimento, reduzindo os
custos de inserção nas existentes por competição necessária (cartel?).
Concessões ou permissões [ (
Concessões e Permissões de Serviços Públicos) , (Sobre a concessão e permissão de serviços públicos) ]?
Concessões têm lógica em serviços que exigem grandes
investimentos irremovíveis como é o caso da energia elétrica, saneamento
básico, tratamento de lixo, aeroportos, portos e coisas dessa dimensão e
construção. Não é o caso do transporte coletivo e serviços de táxi que podem
existir sem a proteção de contratos de concessão. O fundamental é a existência
de vigilância como talvez tenhamos na evolução do CCO (DIEGO ANTONELLI, 2012) e um relacionamento
honesto entre empresários e governo (é possível?). Obviamente o empresário,
duvidando da seriedade do governo, prefere ser contratado na modalidade
“concessão”. De qualquer modo os serviços “ônibus” e “táxis” podem ter inúmeros
empresários contratados graças aos mais modernos sistemas de gerenciamento
remoto.
Urbanismo?
No mundo inteiro podemos ver e estudar soluções até sem sair
de casa, graças à internet que bem usada oferece informações valiosas que
procuramos assimilar e colocar em blogs [ (Cascaes, Reurbanização Inclusiva) , (Cascaes,
Ponderações Engenheirais) , (Cascaes, Engenharia - Economia - Educação e Brasil) etc.]. O fundamental
é sempre lembrar que não existe panaceia, que qualquer lugar habitado desse
planeta possui características próprias e nós temos nossos próprios desafios e
limitações.
Essa singularidade exige discussões, análises e autocríticas
permanentes de todos nós, estejamos no Governo ou não, afinal, por quê não
participar? Somos todos responsáveis pelo nosso futuro, pelo menos na fração correspondente
aos votos que damos nas eleições para escolha de governantes e representantes
nos diversos níveis políticos.
Cascaes
2.6.2012
Concessões e Permissões de Serviços Públicos. (s.d.). Fonte: webjur: http://www.webjur.com.br/doutrina/Direito_Administrativo/Concess_o_e_Permiss_o.htm
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http://cidadedopedestre.blogspot.com.br/
Cascaes, J. C. (s.d.). Fonte: Ponderações
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Cascaes, J. C. (s.d.). Fonte: Reurbanização Inclusiva:
http://reurbanizacao-inclusiva.blogspot.com.br/
Cascaes, J. C. (s.d.). Fonte: Engenharia - Economia -
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Cascaes, J. C. (s.d.). Fonte: Direitos das Pessoas com
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http://cidadedopedestre.blogspot.com.br/2010/01/cidadania-de-pe-no-chao.html
DIEGO ANTONELLI, G. B. (2 de 6 de 2012). Sistema de
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Povo:
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1261341&tit=Sistema-de-onibus-curitibano-perdeu-14-milhoes-de-usuarios-em-4-anos
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http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?tl=1&id=1261371&tit=Licenca-de-taxis-e-inconstitucionalidades
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http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2658/Sobre-a-concessao-e-permissao-de-servicos-publicos
RICORDEAU, P.
(2008). Réglementation versement transport. Fonte: Urssaf:
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http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01441649508716910
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http://fr.wikipedia.org/wiki/Versement_transport